quinta-feira, junho 22, 2006

Pão e circo. Palhaços não faltam.

O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre fundem-se no mesmo impasse.
Em vão tento me explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.
Vomitar esse tédio sobre a cidade.
(Carlos Drummond de Andrade. A flor e a náusea.)
Bandeiras pelas ruas, patriotismo aflorado. O Brasil para o mundo ver. Fuga? Ilusão? Os dois. Assim podemos considerar a Copa do Mundo, pelo menos para nós, brasileiros. Não há problemas, ou melhor, eles até existem, mas são prontamente esquecidos. Ou substituídos, afinal sai do noticiário a preocupação com corrupção, violência e CPI e entra o maior problema no Brasil de hoje: os quilos extras de Ronaldo. O resto é festa. Essa realidade lembra a Roma antiga, quando o povo insatisfeito se animava com sessões de circo e saciava sua fome com o pão distribuído no espetáculo.

Particularmente, não vejo solução para esse problema cultural. Brasileiro se contenta com pouco. Basta uma bola e 22 pessoas envergando dois uniformes distintos que tudo vira festa. Ou então um feriado prolongado. Carnaval, então, aí viramos reis. Pra quê nos preocuparmos com questões como política, segurança e educação? Desde que o próximo presidente eleito não cancele o futebol ou os feriados, tanto faz quem vai colocar a faixa verde e amarela. E quando reclamamos com alguém, falamos que esse clima de festa é ilusório, lembramos dos problemas, somos taxados como falsos brasileiros.

Não quero, em nenhuma hipótese, bradar contra o nosso esporte bretão, parafraseando um trecho do hino do clube pelo qual, orgulhosamente, possuo um carinho especial. Como bom corintiano que sou e apaixonado por futebol, vejo na Copa do Mundo o espetáculo máximo do meu esporte preferido. Mas em nenhum momento me iludo. Não esqueço de trabalhar nem esqueço de cuidar dos meus problemas. Melhor ainda: não esqueço que existem problemas. E infelizmente é isso que vemos nos meios de comunicação, no espírito da população e no clima do País: esquecimento.

Não tenho nenhuma ilusão nem pretensão sobre querer mudar a realidade brasileira. Obviamente, como jornalista, devo fazer a minha parte. Sou um otimista por natureza, mas nesse caso me permito ser do contra. Mais do que não ser a solução, eu não vejo uma. Qualquer atitude para alterar essa estagnação vai totalmente de encontro ao status quo e da vontade de quem detém o poder de tomá-las. O resultado disso é o grande impasse em que vivemos. Ninguém muda, ninguém quer mudar. A Copa do Mundo é só um dos pretextos para não pensarmos nas coisas que realmente merecem ênfase, que podem ajudar as nossas vidas. Os quatro vértices do verdadeiro quadrado mágico que pode melhorar a vida do brasileiro são: memória, consciência, vontade e interesse.

Um comentário:

Rodrigo Barneschi disse...

Cara, eu não vejo com maus olhos essa idolatria à Copa do Mundo. Pelo contrário. É um evento único e deve ser tratado como tal. Por exemplo: dá para trabalhar durante um Alemenha x Argentina em Berlim? Portanto, nada contra ficar um pouco desligado durante um mês.

A questão é outra: isso só se aplica às pessoas que realmente apreciam o tal esporte bretão. Não vale para os aproveitadores e oportunistas de plantão.

Difícil querer algo assim em um país como o nosso. O brasileiro, infelizmente, é um problema sem solução!

Abraços